(Publicado originalmente através da Casa1/Editora Monstra no livro "Álbum de memórias", 2022.)

Toda tarde eu ia lá. O sol ainda estava claro o suficiente. Eu já havia chegado da escola, minha mãe estava conversando com a vizinha, meu pai nunca vinha e minha irmã, não sei onde. Era nossa primeira e última vez morando juntos, apenas nós quatro. Eu dividia o quarto com a irmã, duas camas de solteiro. Minha cama sempre com três estampas diferentes: travesseiro dos dálmatas, lençol de baixo com tema de computador de mesa e lençol de cima do homem-aranha. A da minha irmã era rosa e morangos. Eu sempre quis trocar as camas por um beliche, não importava em que posição eu dormiria, apenas a ideia de ter algo não convencional me animava. Já não acho a ideia da troca boa. Eu amava o meu lençol do homem-aranha.

Mesmo que não fosse eu quem trocasse minhas roupas de cama, eu havia escondido debaixo do colchão, na esperança que ninguém encontrasse. Sendo aquele o melhor esconderijo possível no meu pensar. Lá ela não durou muito tempo, se perdeu, foi tirada dali, mas nunca de mim. De pensar que estava sempre debaixo do meu colchão e que a qualquer momento alguém iria achar, me deixava ansiosa, porém ainda mais animada com meu segredo. O quanto mais eu temia, mas aquilo me valia.

A casa estava silenciosa. Olhando para os cantos, eu levantava as roupas de cama, pegava com rapidez, sentava, abria, olhava e olhava. Ficar encarando o máximo de tempo possível era meu prazer. Em alerta, eu tentava escutar vozes e passos. Se eu fosse rápido o suficiente, colocaria novamente debaixo do colchão e ponto. Se eu fosse pega, teria que pensar rápido, chorar, inventar alguma desculpa pelo meu mal feito. Felizmente, dessa vez, não tive. Eu sempre abria na mesma página, o resto do conteúdo, apesar de também ser arriscado, não me interessava, pois, só naquele estava o porquê de toda minha animação e aflição. E toda tarde eu ia lá, abria no meio da revista e ficava contemplando aqueles dois homens felizes se comendo.
na minha cara